Resenha Dias Perfeitos - Comparação Livro & Série
1. Fidelidade à linguagem do livro ou expansão narrativa?
Raphael Montes, autor do best-seller, criou um thriller psicológico perturbador com Dias Perfeitos (2014), narrado inteiramente sob a perspectiva de Téo — um sequestrador que enxerga seu aprisionamento como um romance perfeito, manipulando não apenas Clarice, mas o leitor. Seu controle psicológico atemporal culmina em um final angustiante: Clarice, paraplégica, sem memória e convencida de que Téo é seu noivo, casa-se com ele e descobre que está grávida. Há inclusive um final alternativo em edições de colecionador, ainda mais sombrio, em que Clarice morre e Téo passa a sequestrar seu cadáver.
O livro se sustenta nesse terror saturado na mente do algoz — e essa sutileza sombria foi ponto alto para muitos leitores.
2. A mudança de perspectiva: Claustrofobia vira empoderamento
A série, criada por Claudia Jouvin para o Globoplay e com direção de Joana Jabace, mantém os eventos centrais — o sequestro, o trauma, a violência psicológica —, mas amplia o ponto de vista ao incluir Clarice como narradora de sua própria estória. Essa escolha foi decisiva: permitir que Clarice não fosse apenas um bloco narrativo influenciado por Téo, mas uma voz viva, ferida e lutadora.
Como a roteirista resumiu bem: "isso era uma preocupação minha desde o início — não perder o livro. Então, todos os eventos estão lá, mas agora temos outras camadas.". A inclusão de personagens como Laura e Breno reforça esses fios da trama, dando esperança e horizontes vibrantes à história.
Eu, como leitora, fiquei decepcionada, pois queria ver as cenas do livro transmitida na série. Achei desnecessária essa mudança.
3. O final alternativo: uma vingança visceral e restauradora
A mudança mais importante — e polêmica — está no desfecho. Em vez de reiterar a passividade de Clarice, a série a faz recuperar memórias fragmentadas, agindo com astúcia. Com apoio de Laura e de Diana, ela elabora um plano de vingança: faz Téo alucinar com substâncias e empurra-o de uma escada, resultando em sua internação psiquiátrica.
Para a roteirista, a missão era clara: Clarice deveria emergir da história com agência, não sob o jugo do algoz. Raphael Montes aprovou essa escolha: “é uma trama pós-livro… as histórias são complementares, não idênticas”. Como disse ele, não há “final certo”; e esse final alternativo “lhe agrada”.
4. O desconforto do leitor versus a potência da nova narrativa
Essa virada de roteiro remete a um dilema recorrente em adaptações: é justo mudar o final para atender a uma audiência que quer ver “o que está escrito”? Muitos comentaristas literários, e fãs, expressam esse desconforto:
“Se for para contar exatamente a mesma história do livro, então o filme não tem sentido de existir.” — opinião que contrapõe o choque de quem esperava fidelidade absoluta.
“Não pode alterar coisas que são importantes para o personagem… odeio alterações que mudem completamente os personagens.” — reflexo do desconforto dos fiéis.
No caso de Dias Perfeitos, a tensão está explícita: há leitores que se sentiram traídos pela série por não verem o desfecho original. Por outro lado, muitos vibraram com uma Clarice que se recusa a ser reduzida à submissão. A série transforma o voyeurismo psicológico em uma narrativa de resistência.
5. Conclusão: uma adaptação que subverte para expandir
A adaptação de Dias Perfeitos exemplifica uma abordagem ousada — e necessária — para adaptações literárias: respeitar o material original, mas saber ampliá-lo. Ao dar voz à vítima, incluir personagens coadjuvantes que ecologizam a história, intensificar o perfil do psicopata e, acima de tudo, entregar um final em que Clarice recupera sua autonomia, a necessidade de fidelidade foi subordinada à urgência de justiça narrativa.
Essa escolha pode incomodar os leitores que queriam ver aquele final sombrio impresso nas páginas. Mas também abre portas para um olhar contemporâneo sobre violência, trauma e superação — e faz da série uma obra que dialoga com o original, sem ser sua réplica.
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